Não era o mais rico de todos, e tinha alguns poucos anos a mais de vida do que Ana, que contava vinte e um. Morava sozinho e levava uma vida que podemos chamar de boa, sem preocupações financeiras. Dirigia a empresa de arquitetura de seu pai como profissão, e era fotógrafo por paixão. Fotografava cabelos, crianças, senhoras, dias nublados. Ana era maquiadora em um salão de beleza conceituado, e bailarina dedicada. Morava com a tia Clotilde em um apartamento pequeno. A renda era pouca, mas estável. Com o salário de Ana, e a aposentadoria de Clotilde, era possível pagar as contas, comer e vestir-se bem, e vez ou outra dar-se ao luxo de ir á uma festa com amigos.
O destino os fez encontrar em uma tarde de segunda-feira, quando Henrico fotografava modelos de tamanhos maiores para um catálogo de um amigo. Deise é quem deveria estar naquele dia maquiando, mas mal podia levantar-se de tamanha cólica que lhe surpreendeu. Ana, colega de trabalho, mas antes disso melhor amiga de Deise, foi em seu lugar.
Ao fim do ensaio, era apenas Henrico, o computador, algumas fotos de modelos, e milhares de fotos de uma menina-mulher baixinha, magra, de cabelos loiros escuros presos de mal jeito por um lápis, que lhe faziam ficar estático frente á tela. Bom, o resto não é lá muito misterioso. Ele tinha o número do salão. Apareceu duas ou três vezes, mas sem sucesso. Era um tanto tímido. Ana notou seu interesse, e sem que precisasse se esforçar, sentiu batidas aceleradas que se converteram em sorrisos discretos, como os que dizem “Só estou esperando por você”. Ele era tímido, e não burro. Esperou o fim do expediente, e a levou para um quiosque ali perto. Dois sucos, um convite, um sim.
Pois bem, antes de voltarmos ao carro, vale dizer das mil mensagens trocadas todos os dias, das horas intermináveis durante a noite no telefone, e as vezes até e-mails. Eram dois corpos em chamas, alimentados por um coração. Um, porque bastou um sorriso em uma tarde de segunda-feira para que houvesse uma soma que, céus, poderia ser eterna. Ou não. De qualquer forma, não nos cabe o futuro.
No carro, ele liga o rádio. Está tocando uma das músicas que Ana adora ouvir na rádio enquanto toma banho. Automaticamente, ela cantarola. Só pára quando é surpreendida por aquele homem que a olha com tanto Amor, e ri da cena que, sim, era engraçada. Engana-se quem pensa que ela ficou sem jeito, mas que nada, era atrevida. Só precisava reconhecer o terreno. Agora, o rosto dele era menos sorridente, e mais neutro.
- Pra onde vamos agora, Sr. Henrico?
- O que você sugere?
- Qualquer lugar desde que você esteja junto.
- Tem um lugar que eu não conheço, mas queria entrar.
- É só dizer, podemos ir até lá.
- A sua vida.
Houve um silêncio. Ela tocou seu rosto, sentiu a aspereza de sua barba, dividida pela maciez de seus lábios, que agora beijavam seus dedos. Não era necessário nenhuma palavra á mais. Aquele gesto não dizia “você pode entrar”, mas “você já está lá á muito tempo”. Henrico partiu, com um sorriso idiota no rosto, e ardendo em sentimentos. Ana também estava assim. Voltara a cantarolar, exibindo um sorrisinho tonto, e gritando por dentro.
Chegaram. Era um apartamento bonito, muito bem decorado, espaçoso e confortável. Ele cogitou oferecer alguma bebida á Ana, mas não era preciso. Ela era atrevida, lembra? Mostrou á ele um olhar em chamas,que pedia água, mas ainda que molhadas as chamas não se apagariam tão cedo. Não demorou. Henrico á despedaçou á medida em que ela implorava por isso. Ele se fez demônio, e ela se fez cadela. Ao final –de muitas cruzas- das chamas sobraram as brasas. Havia nos dois líquido inflamável para muito tempo, mas antes disso, havia Amor. Eles ainda não sabiam. Desconfiavam, mas não sabiam. Amavam-se, céus, e como.
Ana acordou primeiro, e fez da manhã, palco de seu espetáculo de sentimentos gostosos e clichês. Vestiu a blusa de Henrico, que era muitas vezes maior do que seu tamanho. A blusa, suas roupas íntimas e só. Foi até a cozinha, e encontrou sem precisar procurar muito o café, umas torradas intactas e alguma coisa para complementar. Sem que ela percebesse, Henrico a admirava com um sentimento que palavras não explicam. Ela era tudo de melhor... mesmo que de costas. “-Ei!” foi o que ele disse, supreendendo Ana.
Ela virou-se. Ele munido de sua câmera fotográfica, tirou um retrato de Ana.
Por trás daquelas lentes, estavam os olhos de um homem que conhecia agora o gozo de um Amor verdadeiro, sólido, e totalmente distante do mundo feminino ilusório que ele havia desbravado antes.
Á frente das lentes estava Ana. Ana menina, mulher, bailarina... e esposa.
Bom, pelo menos era assim que ele queria que fosse.
E ela também.