quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Clichê e Gostoso.

Depois do jantar agradável em um restaurante que não era destes de ter mil talheres, mas ainda sim muito refinado e de bom gosto, voltaram ao carro. Antes disso, numa tentativa frustrada, ensaiou pagar a conta. Henrico gentilmente o fez.
Não era o mais rico de todos, e tinha alguns poucos anos a mais de vida do que Ana, que contava vinte e um. Morava sozinho e levava uma vida que podemos chamar de boa, sem preocupações financeiras. Dirigia a empresa de arquitetura de seu pai como profissão, e era fotógrafo por paixão. Fotografava cabelos, crianças, senhoras, dias nublados. Ana era maquiadora em um salão de beleza conceituado, e bailarina dedicada. Morava com a tia Clotilde em um apartamento pequeno. A renda era pouca, mas estável. Com o salário de Ana, e a aposentadoria de Clotilde, era possível pagar as contas, comer e vestir-se bem, e vez ou outra dar-se ao luxo de ir á uma festa com amigos.
O destino os fez encontrar em uma tarde de segunda-feira, quando Henrico fotografava modelos de tamanhos maiores para um catálogo de um amigo. Deise é quem deveria estar naquele dia maquiando, mas mal podia levantar-se de tamanha cólica que lhe surpreendeu. Ana, colega de trabalho, mas antes disso melhor amiga de Deise, foi em seu lugar.
Ao fim do ensaio, era apenas Henrico, o computador, algumas fotos de modelos, e milhares de fotos de uma menina-mulher baixinha, magra, de cabelos loiros escuros presos de mal jeito por um lápis, que lhe faziam ficar estático frente á tela. Bom, o resto não é lá muito misterioso. Ele tinha o número do salão. Apareceu duas ou três vezes, mas sem sucesso. Era um tanto tímido. Ana notou seu interesse, e sem que precisasse se esforçar, sentiu batidas aceleradas que se converteram em sorrisos discretos, como os que dizem “Só estou esperando por você”. Ele era tímido, e não burro. Esperou o fim do expediente, e a levou para um quiosque ali perto. Dois sucos, um convite, um sim.
Pois bem, antes de voltarmos ao carro, vale dizer das mil mensagens trocadas todos os dias, das horas intermináveis durante a noite no telefone, e as vezes até e-mails. Eram dois corpos em chamas, alimentados por um coração. Um, porque bastou um sorriso em uma tarde de segunda-feira para que houvesse uma soma que, céus, poderia ser eterna. Ou não. De qualquer forma, não nos cabe o futuro.
No carro, ele liga o rádio. Está tocando uma das músicas que Ana adora ouvir na rádio enquanto toma banho. Automaticamente, ela cantarola. Só pára quando é surpreendida por aquele homem que a olha com tanto Amor, e ri da cena que, sim, era engraçada. Engana-se quem pensa que ela ficou sem jeito, mas que nada, era atrevida. Só precisava reconhecer o terreno. Agora, o rosto dele era menos sorridente, e mais neutro.
- Pra onde vamos agora, Sr. Henrico?
- O que você sugere?
- Qualquer lugar desde que você esteja junto.
- Tem um lugar que eu não conheço, mas queria entrar.
- É só dizer, podemos ir até lá.
- A sua vida.
Houve um silêncio. Ela tocou seu rosto, sentiu a aspereza de sua barba, dividida pela maciez de seus lábios, que agora beijavam seus dedos. Não era necessário nenhuma palavra á mais. Aquele gesto não dizia “você pode entrar”, mas “você já está lá á muito tempo”. Henrico partiu, com um sorriso idiota no rosto, e ardendo em sentimentos. Ana também estava assim. Voltara a cantarolar, exibindo um sorrisinho tonto, e gritando por dentro.
Chegaram. Era um apartamento bonito, muito bem decorado, espaçoso e confortável. Ele cogitou oferecer alguma bebida á Ana, mas não era preciso. Ela era atrevida, lembra? Mostrou á ele um olhar em chamas,que pedia água, mas ainda que molhadas as chamas não se apagariam tão cedo. Não demorou. Henrico á despedaçou á medida em que ela implorava por isso. Ele se fez demônio, e ela se fez cadela. Ao final –de muitas cruzas- das chamas sobraram as brasas. Havia nos dois líquido inflamável para muito tempo, mas antes disso, havia Amor. Eles ainda não sabiam. Desconfiavam, mas não sabiam. Amavam-se, céus, e como.
Ana acordou primeiro, e fez da manhã, palco de seu espetáculo de sentimentos gostosos e clichês. Vestiu a blusa de Henrico, que era muitas vezes maior do que seu tamanho. A blusa, suas roupas íntimas e só. Foi até a cozinha, e encontrou sem precisar procurar muito o café, umas torradas intactas e alguma coisa para complementar. Sem que ela percebesse, Henrico a admirava com um sentimento que palavras não explicam. Ela era tudo de melhor... mesmo que de costas. “-Ei!” foi o que ele disse, supreendendo Ana.
Ela virou-se. Ele munido de sua câmera fotográfica, tirou um retrato de Ana.
Por trás daquelas lentes, estavam os olhos  de um homem que conhecia agora o gozo de um Amor verdadeiro, sólido, e totalmente distante do mundo feminino ilusório que ele havia desbravado antes.
Á frente das lentes estava Ana. Ana menina, mulher, bailarina... e esposa.
Bom, pelo menos era assim que ele queria que fosse.
E ela também.

Claudio Rizzih.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Valente.

Era uma rapariga invocada. Lílian tinha apenas cinco anos, e já pensava como gente grande. Sua mãe naquele dia, lhe pôs um belo vestido florido. Estavam de saída, para uma visita ocasional aos tios. A pequena foi até seu quarto, pegou uma de suas bolsinhas pequenas, e foi ao encontro de sua mãe. Na cozinha, abriu a bolsa, que estava vazia;
- Mãe, a minha bolsa ta vazia, vou levar minhas maquiagens.
- Está bem filha.
Lílian foi ao quarto, apanhou seu estojo de maquiagens, um destes coloridos que se compra em lojas de brinquedos mesmo.
- Pronto mãe.
- Vamos então. Meu bem ponha meu celular na sua bolsinha.
- Não dá mãe, vai ficar ruim, minhas maquiagens já estão aqui.
- Mas o que é que tem? Não custa nada, vamos, ponha!
- Não mãe! Você deu essa bolsa pra mim de presente, ela é minha, e eu já estou levando minhas maquiagens!
- Mas Lílian, tem espaço de sobra aí dentro!
- Não tem não! E mesmo se tiver mãe! A senhora tem uma bolsa que é só sua! Ela é bem grandona e cabe um monte de coisas!
- Mas eu não vou levar minha bolsa. Vamos Lílian, ponha já meu celular aí, se não vamos nos atrasar! Mas que coisa!
- Ui, ui, ui! Não posso nem ter minhas coisas em paz! Porque é que você me deu a bolsa então? Você já tem a sua, e eu não posso nem usar a minha em paz! Está bem, pode colocar o seu celular na minha bolsa, mas quem vai levar é você. Pode deixar. As minhas maquiagens eu levo na mão.
E saiu resmungando...
- Ui, que droga, ui! Ela já teve um monte de bolsas e sempre leva o que ela quer. Daí ela me dá uma bolsa e eu não posso nem usar do meu jeito! Hoje não vou ser mais a amiguinha dela.

E ela estava certa. Sim, ela, Lílian. A bolsa pertencia á ela. Foi dada á ela, pequena, colorida, assim como sua vida em seus primeiros anos. Sua mãe tinha muitas outras bolsas, grandes e por vezes de uma só cor. Mas não havia o que fazer. Lílian entendeu que era sua mãe, e que não podia discutir.

Ás vezes, é realmente dispensável discutir, e isso vale muito mais para nós adultos, do que para crianças. Mas, se você realmente quer, seja valente: Deixe a bolsa de lado, e leve sua maquiagem na mão.


Cláudio Rizzih.