quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Mortais


Seus personagens, por mais apaixonados e amorosos que fossem, possuíam sempre um forte lado racional, capaz de determinar o que era conveniente á se dizer em determinada ocasião, e como agir em certas situações. Quando conheceu Antônia, há cerca de quinze anos atrás, as coisas mudaram involuntariamente. Apaixonou-se, e se fez o mais entregue dos homens diante da reciprocidade de sua amada, que o quis na mesma intensidade. Casaram-se, conheceram os extremos da felicidade, companheirismo e cumplicidade. Nem mesmo a convivência os desgastou. Amavam-se tanto, que quando surgia um conflito, optavam por diálogos, geralmente curtos, devido às inúmeras possibilidades de resolver o impasse, que a adoração que um tinha pelo outro lhes proporcionava.
Aquele havia sido um dia comum. Acordou, tomou um café sem leite e meio amargo, como gostava. Olhou-se no espelho e percebeu que a barba estava grande demais, mais do que ele sempre usava de costume. Vestiu-se, e foi para o jornal, onde tinha um caderno semanal. Deu continuidade ao conto que estava preparando para o sábado próximo. Era quinta-feira, e ele não estava lá muito adiantado. O fez. Terminou o conto completamente assim que os primeiros sinais da noite surgiram, após surtos de inspiração inexplicáveis. Entrou no carro, e partiu para casa. No caminho, pensou em comprar cerejas para Antônia, mas quando deu por si, já havia cruzado outra rua, que o levaria para casa mais rápido. Entrou no elevador e se lembrou de sua mãe. Sentiu saudades. Abriu a porta, e estranhou o silêncio que dominava o apartamento, visto que aquela era a hora da novela que Antônia não perdia. Chamou duas ou três vezes. Foi ao quarto, e morreu. 
O corpo, ainda produzia espasmos. Gritava Antônia por toda parte. Ela não estava no quarto, nem na sala, nem no banheiro, nem em casa, nem talvez na cidade. Todas as suas roupas haviam sumido, assim como os perfumes, sapatos, e até mesmo o seu sabonete. Tudo. Na sala, só agora percebeu a falta dos porta-retratos, dos bilhetes fixados na parede, dos livros e revistas dela. Na televisão, um rascunho. 
“Laerte, meu querido. Sei que não entenderás... e nem é preciso. Nem eu entendo. Não encontrarás explicação, por conta de tanta felicidade, e agora isso. Mas não posso mais sufocar a mim mesma. Guardei dentro de mim, muitos medos, e ânsias e expectativas. O acúmulo foi tanto, que já não cabe em mim, nem em nós dois juntos, nem neste apartamento, nem mesmo nesta cidade. Pensarei em você todos os dias. E você, não faça o mesmo. Nunca fui, nem nunca serei digna de um Amor como o seu. Não vou lhe pedir perdão, pois eu mesma jamais me perdoarei por isto. Não me procure, não encontrarás. Mando as fotos pelo correio, assim que fizer uma cópia das mesmas. Um beijo, um abraço, e um muito obrigado por tudo. Onde quer que esteja, eternamente sua. Antônia”.


E só. 
Laerte não sabia o que sentir. Deixou-se cair no chão. Ensaiou pegar o telefone, e ligar para os pais de Antônia. Inútil. Ela não tinha vínculos fortes com a família. Levantou-se num impulso, e pensou em ir á Petrópolis. Na casa da amiga que ela sempre teve como irmã, era o único lugar onde poderia estar. Mas reconheceu á si mesmo, que uma viagem á outro estado, não seria lá muito viável. Não naquele instante. Não naquele estado. Deitou no sofá, e chorou. Gritou de dor. Quando o cansaço físico venceu, foi à janela. Olhava para os carros lá em baixo, o fim e o começo da avenida, na esperança de ver Antônia correndo desesperada, arrependida, voltando para seus braços. Em vão. Nada de sol, nada de Antônia. Deitou-se novamente no sofá, e dormiu. 
Sete meses depois, acordou. Foram dias e mais dias de pesadelos reais. Mas era hora de acordar. 
Indo para casa - a nova casa, onde passou a morar poucos meses após o sumiço de Antônia - sentiu fome. Como sabia que não teria um grande banquete quando chegasse, parou em uma confeitaria. Pediu um café, com leite. Sim, era necessário mudar velhos hábitos. Olhou para a rua, e avistou a praça. Era pouco mais de oito de horas, e, mesmo sendo a praça no centro da cidade, não havia ninguém lá. Foi. Sentou-se no banco de madeira. Deixou sua mente livre. Era um dramaturgo de sucesso, e precisava acabar com a maré de contos ruins e personagens depressivos que vinham nascendo em sua mente. O café estava acabando, mas não lhe deu vontade de sair dali. A noite estava agradável, e uma lua meio envergonhada deu as caras. 
Olívia estava um tanto reflexiva naquela noite. Antes de ir para o “beco”, foi a uma lanchonete comprar alguma besteira que lhe satisfizesse o estômago pequeno. Comeu ali mesmo uns biscoitos de baunilha com refrigerante, e se pôs a caminhar. Avistou a praça. O relógio não marcava mais que nove horas, era realmente muito cedo. Havia ali na praça um homem, boa pinta, bonitão, sozinho. Não lhe passou em nenhum momento pela cabeça, fazer dele um cliente. Nem mesmo uma boa conversa lhe ocorreu. Só queria sentar-se, e ficar quieta. Mesmo aquela praça estando no centro da cidade, e estar cedo da noite, a sua condição de garota de programa, não lhe permitia sentir segura em todo e qualquer lugar, sem a companhia de suas colegas. Como o homem aparentemente não lhe oferecia risco, decidiu atravessar a rua, livrando-se por sorte de um atropelamento.
- Olha por onde tu anda, piranha! - Olívia, assustada deu de ombros, envergonhada. Admitia ser culpa sua. Era afobada e elétrica, mas por vezes oscilava entre dias quietos e introspectivos. 


Sentou-se no mesmo banco de Laerte, na outra ponta. Ele, que presenciou todo o acontecido, arriscou umas palavras.
- Foi por pouco, não é? Que sorte! Tome mais cuidado, moça. 
- É. Sorte mesmo. Mais um pouco e ele teria um belo estrago no carro. 


Laerte se impressionou. Ela não se mostrou preocupada consigo. Nem um pouco. Depois do espanto, não segurou a graça, e ensaiou uma risada tímida, lembrando da moça virando o pé no salto alto, enquanto escapava do acidente. 
Aí, olhou para o lado. O vestido curto revelava um belo par de pernas, magras, e brancas. Tinha também fartos seios, e até então, era apenas corpo, apenas carne. Bicho mulher. Olívia acompanhou Laerte na risada. Empurrou os cabelos para trás da orelha, descobrindo um rosto que não se sabe dizer da reação que provocava. Tinha belos dentes, um nariz fino, sobrancelhas arcadas, e olhos castanhos escuros. Nem mesmo a maquiagem carregada foi capaz de ocultar a inocência que havia naquele sorriso. Olharam-se, olho no olho. 
Laerte talvez acabasse de ganhar uma nova personagem que trouxesse de novo o brilho para seus contos. Ela talvez ganhasse um cliente para aquela noite de terça-feira, movimento fraco. 
Coitados. Dois mortais, que não podiam lutar contra a força do acaso, do encontro, do destino. 
Coitados... Mortais.


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Por agora, deixo em suas mãos, ou melhor, em sua mente e coração, o desenrolar desta estória de corpos e almas. E que o Amor fale por nós. Que o Amor fale por eles.
[Continua...]


Cláudio Rizzih

1 comentários:

Haru disse...

;0
MARA, imaginei diversos finais para isso .-.
Sucesso para vc querido *-* MUITO BOM seu blog!
BEIJINHOS

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